
Seu Francisco despertou da soneca e se viu preso, literalmente preso, dentro de uma metáfora.
A primeira coisa em que reparou foi a imobilidade das pernas e braços. Viu que a causa era a extensa flora selvagem se apossando visceral e figurativamente de todos os membros. A completude de sua estagnação ia ficando mais clara à medida em que a situação se mostrava mais confusa. Percebeu que, além da vegetação nas encostas, a metáfora tinha também micropessoas, um povo pequenino que a largos passos ia crescendo de uma colossal inconveniência para uma singela civilização. A comunidade ribeirinha que se acomodara nas lágrimas do desespero de Seu Francisco logo tornou-se um vilarejo de médio porte. Adaptaram seu umbigo para funcionar como aterro. A depressão que percorre a coluna vertebral serviu muito bem de sistema irrigatório, e com isso certas regiões como a lombar e as gordurinhas do quadril foram valorizando, e a especulação imobiliária prosperou como uma verruga maligna perto do ombro direito que coçava mais a cada dia. Só que não se pode coçar uma metáfora, então Seu Francisco ia deixando tudo passar à espera de um milagre ou de um dilúvio, e enquanto isso a cidade crescia ao ponto de literalmente já não caber mais nele e ir subindo, desaparecendo pelas próprias ruelas, pelas próprias contradições, atingindo um ápice de insustentabilidade tal que fez explodir na mente de Seu Francisco um instante de eterna lucidez, como esses momentos de paralisia do sono, e isso fez Seu Francisco pensar nas imutáveis Leis de Newton, sobretudo aquela que diz que corpos inertes tendem a permanecer inertes, metáfora perfeita para a situação extremamente real que estava vivendo.
E assim, meio que de uma vez só, a metáfora chegou ao fim. Desmoronou, como aquela pessoa que constrói um discurso tão longo que quando se dá conta já perdeu os alicerces da fala. Seu Francisco agora tem pavor de metáforas, porque desde então ele não sabe mais se o que sustenta as ideias é elas fazerem ou não fazerem sentido. Nas palavras do próprio, deve-se desconfiar das metáforas como se desconfia do vendedor que não diz logo de cara a que veio.
A primeira coisa em que reparou foi a imobilidade das pernas e braços. Viu que a causa era a extensa flora selvagem se apossando visceral e figurativamente de todos os membros. A completude de sua estagnação ia ficando mais clara à medida em que a situação se mostrava mais confusa. Percebeu que, além da vegetação nas encostas, a metáfora tinha também micropessoas, um povo pequenino que a largos passos ia crescendo de uma colossal inconveniência para uma singela civilização. A comunidade ribeirinha que se acomodara nas lágrimas do desespero de Seu Francisco logo tornou-se um vilarejo de médio porte. Adaptaram seu umbigo para funcionar como aterro. A depressão que percorre a coluna vertebral serviu muito bem de sistema irrigatório, e com isso certas regiões como a lombar e as gordurinhas do quadril foram valorizando, e a especulação imobiliária prosperou como uma verruga maligna perto do ombro direito que coçava mais a cada dia. Só que não se pode coçar uma metáfora, então Seu Francisco ia deixando tudo passar à espera de um milagre ou de um dilúvio, e enquanto isso a cidade crescia ao ponto de literalmente já não caber mais nele e ir subindo, desaparecendo pelas próprias ruelas, pelas próprias contradições, atingindo um ápice de insustentabilidade tal que fez explodir na mente de Seu Francisco um instante de eterna lucidez, como esses momentos de paralisia do sono, e isso fez Seu Francisco pensar nas imutáveis Leis de Newton, sobretudo aquela que diz que corpos inertes tendem a permanecer inertes, metáfora perfeita para a situação extremamente real que estava vivendo.
E assim, meio que de uma vez só, a metáfora chegou ao fim. Desmoronou, como aquela pessoa que constrói um discurso tão longo que quando se dá conta já perdeu os alicerces da fala. Seu Francisco agora tem pavor de metáforas, porque desde então ele não sabe mais se o que sustenta as ideias é elas fazerem ou não fazerem sentido. Nas palavras do próprio, deve-se desconfiar das metáforas como se desconfia do vendedor que não diz logo de cara a que veio.